O texto que nós somos

Os (injustamente) denominados pré-socráticos já se citavam entre si, como fizeram Platão e Aristóteles. A história da filosofia é de, certa forma, a o desenvolvimento da linguagem que se estuda a si mesma: numa torção peculiar, as palavras aspiraram não só resolver os enigmas do presente como, também, saldar as dúvidas do passado. As “questões pendentes” da filosofia vai enriquecendo com este diálogo e nós incorporamo-nos numa tradição que, de certa forma nos engole, nos integra, sem tudo que esteja ao nosso alcance escapar dela. O tempo em que vivemos convida-nos a enfrentar problemas, mas também textos e autores. Poderá qualquer filósofo merecer um tal rótulo sem ter lido , para dar apenas um exemplo, uma única linha de Nietzsche? Não importa a especialização posterior: pensamos sempre a partir de uma tradição histórica a que pertencemos. A historicidade da filosofia é como que uma condição insuperável tal como acontece com a própria disciplina nos ‘curricula’.

O individualismo em que vivemos leva-nos a rejeitar este tipo de abordagem. Não vivemos na linguagem, criamo-la. Cada um de nós contribui para a história. Como nos poderemos admitir herdeiros e continuadores de uma tradição? Somos nós que escrevemos o livro, não é o livro que escreve para nós. Fez falta que Newton existisse e que se chamasse Newton para formular a Física Clássica? Tinha que ser em inglês? Foi fruto do seu génio individual, único e irrepetível, ou foi apenas uma consequência de nomes como os de Copérnico, Kepler, Galileu, Descartes? Podemos pensar sem Sócrates, Platão? Que teria feito Aristóteles sem Platão? O pensamento é: individual, social, histórico. Nós somos textos dentro de outros textos, palavras entre palavras. O diálogo da filosofia exige alguém que ouça e alguém que replique. Vivemos no texto de que descendemos.

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